top of page

Grandes olhos, grandes ideias: mangá, animê e os fãs brasileiros

  • Aline Negromonte
  • 18 de out. de 2017
  • 10 min de leitura

"Vagabond", de Takehiko Inoue. O mangá conta a vida do samurai Miyamoto Musashi (1584–1645). Ganhou os prêmios Kodansha Manga Awards de 2003, e o Prêmio de Cultura Ozamu Tezuka em 2002. Ainda é publicado no Japão, e no Brasil, é serializado pela Panini. (Takehiko Inoue/Kodansha)

A Terra do Sol Nascente tem relações próximas ao Ocidente. Só o Brasil, por exemplo, possui a maior colônia japonesa no mundo. O Bairro da Liberdade, na cidade de São Paulo, é o local que melhor simboliza esta realidade, onde se encontram muitos imigrantes e descendentes. Este ano, comemora-se os 109 anos de imigração japonesa para nosso país. Não por acaso, a cultura pop nipônica, que se espalha pelo mundo em velocidade ímpar, também conquista mais fãs em território nacional.

De todo o espectro da cultura pop, que engloba música (j-rock, j-pop), moda (vinda de Harajuku, bairro de Tóquio que apresenta tendências), games (como a franquia Final Fantasy), os mangás e animês se destacam em abrangência. Afinal, quem nunca ouviu falar de Pokémon? Sakura Card Captors? Dragon Ball Z? Cavaleiros do Zodíaco? Goste ou não, principalmente os animês, que passaram na TV aberta, alcançaram um público cativo e abriram a porta para um universo muito mais complexo e abrangente.


Quem se lembra deste programa de 2000? Band Kids era apresentado por Kira (Renata Sayuri) e passava muitos animês, como Dragon Ball Z e YuYu Yakusho

Hoje, quem tem acesso a plataformas de streaming (como Netflix e Amazon) pode assistir animês a hora que quiser. É possível também encontrá-los disponibilizados em sites especializados (assim como os mangás). Mas qual a diferença entre eles?

Mangás e Animês: intrinsecamente relacionados

Os mangás são o equivalente japonês das histórias em quadrinhos, e os animês, das animações. Um dos divulgadores do mangá no ocidente foi Osamu Tezuka (1928-1989), o “Deus do Mangá”, que criou boa parte da estética do mangá como é hoje conhecida, como os grandes olhos, traços simplificados de personagens e cenários detalhados. Características como a narrativa cinematográfica e linhas de movimento nos desenhos também foram um pioneirismo dele. Tezuka tem seu próprio museu em Takarazuka, cidade onde nasceu no Japão. Ele é autor de mais de 600 mangás e 60 animês e seu personagem mais conhecido é Astroboy (Testwan Atom), criado em 1952.

Osamu Tezuka (Ozamu Tezuka Institute) e sua criação mais conhecida, Astroboy.

(Acima: Osamu Tezuka. Com informações de sukidesu.com)

A professora fluminense Valéria Fernandes da Silva, doutora em História, é criadora do site shoujo-cafe.com. Há anos, o site dedica-se à divulgação da cultura pop japonesa, com ênfase aos mangás shojo (ou shoujo), voltados para o público feminino. Sua página no Facebook conta com mais de 9.500 curtidas. Valéria concedeu uma exclusiva à Meio e Expressão e explica mais sobre a origem dos mangás e animês:

De acordo com o jornalista britânico Paul Gravett, especialista em quadrinhos e autor de “Mangá - como o Japão reinventou os quadrinhos”, o termo “mangá” surgiu no século XVIII e foi usado pelo conhecido artista japonês Hokusai em 1814 para designar seus livros de “rascunhos excêntricos”.

Gravett também afirma que o mangá como o conhecemos hoje nasceu do encontro do Oriente com o Ocidente, do velho com o novo. Foi um caso de wakon yosai - “espírito japonês, aprendizado ocidental”. Para ele, parte desse “espírito japonês” se deve tanto aos kanjis, os ideogramas japoneses que utilizam uma linguagem simbólica, quanto à longa tradição nipônica de arte pictórica, que às vezes se aproxima do espírito dos quadrinhos.

A grande Onda de Kanagawa, do artista japonês Hokusai, fortemente influenciado pelo Ocidente.

Os ideogramas japoneses (kanji) para a palavra mangá.

O professor de História da Arte do CES-JF, Thiago Berzoini, afirma que os mangás possuem traços e narrativas mais dinâmicas, além da leitura ser da direita para esquerda, o que os difere dos quadrinhos do ocidente. Eles podem demorar anos contando uma saga, mas possuem, salvo raras exceções, um final, o que também é bastante diferente da linguagem dos comics (quadrinhos norte-americanos), onde um super-herói pode ter 50 anos de histórias e sequer estar próximo de sua saga ter um fim. Outra característica é que esses mangás geralmente são em preto e branco, de formato reduzido (embora, às vezes, com muitas páginas) e impressos em papel jornal.

O professor de História da Arte Thiago Berzoini.

"Lobo Solitário", de Kazuo Koike e Goseki Kojima , e "Akira" de Katsuhiro Otomo, respectivamente, obras "atemporais e essenciais, são narrativas bem estruturadas e a técnica dos artistas possuem o preciosismo que se destaca de outros mangakás", destaca Berzoini. "Akira" também se tornou um animê dirigido pelo mesmo autor e é considerado um marco da animação mundial.

No Japão, é muito comum ver mangás virarem animês. Sobre aquelas produções de roteiro original, um conhecido diretor no ocidente é Hayao Miyazaki, proprietário do Studio Ghibli, referência internacional em animação, e famoso por "A viagem de Chihiro" (2001), longa vencedor do Oscar de Melhor Animação em 2003.

Há perceptíveis diferenças culturais entre o mangá e as histórias em quadrinhos ocidentais, mas talvez a mais marcante é que, no Japão, o mangá é definitivamente popular, feito para as massas, e tem públicos diversificados. Para Berzoini, “o mangá possui estilos que tentam agradar todo tipo de público”.

No Japão, de acordo com Gravettt, o mangá responde por 40% de todos os livros e revistas vendidos. Existem mangás de inúmeros gêneros, e com um nível de segmentação impressionante – atendem um público tão diverso como um jovem bombeiro e uma dona-de-casa de meia-idade. Duas classificações comuns são shonen, mangás para garotos adolescentes, e shojo, mangás para garotas adolescentes.

Além dos citados, há infinitos subgêneros, incluindo mangás e animês didáticos. As obras incluem temáticas difíceis de serem encontradas em outros lugares, como histórias em quadrinhos voltadas para o público feminino – shojo – com temas tão específicos como comédias românticas passadas em um universo de ficção científica. (As mangakás - cartunistas ou quadrinistas - Souji Hajime, Natsuki Takaya são algumas das autoras que abordaram o tema). Parte do apreço dos fãs vêm do aspecto muito democrático dos mangás e animês, essa noção de que “tem para todos os gostos”. O leitor/espectador se identifica com as obras, se vê representado nelas e tem suas preferências respeitadas.

A palavra dos fãs

O professor de artes juiz-forano Luiz Guilherme de Oliveira Silva, 25 anos, sempre gostou de histórias em quadrinhos e foi muito influenciado pelos mangás e animês. Atualmente ele está preparando uma série autoral de tiras cômicas, inspiradas nas aventuras RPGs, de título ainda provisório "Danquest".

Dan, o simpático protagonista da série: nota-se a influência dos desenhos nipônicos nos traços do personagem

Já a artista plástica Camila Sampaio, fluminense de 28 anos, conta que o início de sua trajetória como fã de cultura pop japonesa e colecionadora começou com um mangá, aos seus 15 anos: "Video Girl Ai", de 1985. O que a atrai nos mangás é o fato de gostar da estética em preto-e-branco, o que em sua opinião “não cansa a vista”, e por não terem muitas sequências, são histórias bem delimitadas, com início, meio e fim. Poucos mangás têm uma continuidade ao longo dos anos, como "One Piece", por exemplo. Já o animê foi lhe apresentado pela televisão aberta brasileira, na década de 90, com “clássicos como 'Sailor Moon' e 'Cavaleiros do Zodíaco'”. Porém, em geral, ela prefere ler o mangá antes, sempre. “Hoje, meus estilos preferidos são shojo e guro [de terror].”

A artista plástica Camila Sampaio.

Abertura brasileira de Sailor Moon (Toei Animation)

Outra importante diferenciação apontada por Camila é que ela se considera uma Otaku, uma palavra que tem conotações diversas no Brasil e no Japão. “Aqui, a gente vê o Otaku como um fã de cultura japonesa, só que no Japão, é qualquer pessoa aficionada por determinada coisa, e é com uma conotação negativa.” A artista, além de Otaku, também se veste de acordo com um estilo de rua japonês, lolita, e é uma das criadoras de um grupo em Juiz de fora, o Lolika Cute.


O mercado de mangás também cresce muito no Brasil. Inicialmente focado em publicações shonen, hoje há espaço para os mais diversos gêneros, como shoujo e seinen. Antes dominado pela JBC editora (Japan-Brazil Comunication), atualmente o mercado também é dividido pela Panini, com o selo Planet Manga, L&PM e NewPOP editora, especializada em mangás. Com o perdão do trocadilho, vender produtos da cultura pop japonesa têm se mostrado um “negócio do Japão”.


Magia em movimento: os animês

O primeiro animê foi realizado para os cinemas em 1917. Já em 1958, foi lançado o primeiro animê colorido e feito exclusivamente para a televisão, "Manga Calendar", veiculado pela emissora TBS com produção do estúdio Otogi em 25 de junho de 1962, que teve duração de dois anos. Um ano depois, Osamu Tezuka lançaria "Astro Boy", baseado em seu mangá homônimo, através de seu estúdio de animação Mushi Productions.


Para o professor Thiago Berzoini, o estúdio de animação mais relevante do Japão é a TMS Entertainment, que foi fundado em 1946 e continua ativo. “É uma companhia significativa no que diz respeito à produção de animê, e mesmo sendo antiga, continua tendo relevância, assim como o estúdio Ghibli, fundado em 1985, mas que possui grandes obras mais recentes, como 'A viagem de Chihiro', por exemplo.”

Berzoini destaca também a Toei Animation, por ser uma das precursoras do animê como febre no Brasil, através das séries "Cavaleiros do Zodíaco", que garantiu grande público, e também "Dragon Ball" e "One Piece". “Não podemos deixar de lembrar da Madhouse, responsável por 'Sakura Card Captors' e algumas adaptações da Marvel Comics para o público de animês, o que é um trabalho importante de diálogo entre as diferentes culturas de narrativas sequenciais. A casa levou os ícones dessa linguagem no ocidente, como 'X-Men' e 'Homem de Ferro', para o Japão, em uma estética própria ao estilo dos animês. Existem outros grandes e relevantes estúdios, como a Sunrise (fundada em 1972). Acredito que os estúdios mais importantes continuam ativos desde décadas anteriores, não tendo necessariamente a distinção de relevância entre recentes e antigos, pois mesmo fundados há décadas continuam produzindo cada vez mais.”


Logotipos oficiais da Sunrise e Toei Animation.

Frame do animê do 'Homem de Ferro' (Madhouse).

O fenômeno da popularidade de mangás e animês também mobiliza fãs na internet, alguns muito ativos, que se dedicam a traduzir e disponibilizar conteúdo para outros fãs: os chamados fansubers. “Fansub” é um termo em inglês vindo da junção entre fan (fã) e sub (abreviação de subtitle, "legenda"). Eles legendam animês e traduzem mangás, tornando-os compreensíveis ao grande público e deixam o download disponível na internet. Há um aspecto nebuloso a ser considerado, em relação aos direitos autorais. Mas muitos coletivos de fansubers se defendem enfatizando que nunca disponibilizam conteúdo licenciado no Brasil, então apenas ajudariam a divulgar a cultura pop japonesa como um todo.

Alguns fãs de histórias em quadrinhos consideram que o mangá e animê tem uma estética própria identificável, mas seus personagens têm aspecto de ocidentais, ao ponto que apenas alguns, como o mais conhecido longa-metragem, "Jin-Roh" (Bandai Animation), um seinen, mostra personagens com “olhos puxados”. Mas eles estão entre uma minoria. Independente da estética, o simples fato de muitas histórias se passarem no Japão e retratarem costumes, assim como o empenho de fãs em aprender japonês para traduzirem conteúdos demonstra uma divulgação da cultura japonesa.

Sequência de abertura de "Jin- Roh" (Bandai Entertainment).


A arte do Cosplay

Outros aspectos importantes são as práticas cosplayer. Cosplay é uma junção, em inglês, das palavras costume e play, que significam “traje” e “jogar”, respectivamente. Muitos fãs de mangás/animês se vestem de personagens favoritos, e os interpretam parcialmente. Ao menos uma fala ou gestual típico eles devem incorporar, e o traje deve ser feito por eles próprios, no melhor estilo do mantra punk “do it yourself”. Estes cosplayers têm a oportunidade de disputar entre si em grandes eventos, como as referências nacionais Anime Friends (SP) e Ressaca Friends (RJ) e as locais Anime Taikai, e Geek POP.

A arquiteta carioca Agna Fabrícia Domingues, 30 anos, residente em Juiz de Fora, faz cosplay há 11 anos e tem seus motivos para preferir mangás e animês. “A estética oriental tem sua particularidade, com traços bem expressivos. Gosto de como conseguem captar emoções tão intensamente. Penso que esta seja uma das diferenças para os quadrinhos americanos... por terem um enredo extenso, os mangás conseguem privilegiar mais emoções e detalhes da narrativa. Outra diferença são os inúmeros segmentos japoneses.”


Fabrícia Domingues como Ezra titania, de Fairy tail, e como Madoka, de Mahou Sojo Madoka Magica (Acervo pessoal)

A arquiteta também afirma que seu primeiro cosplay foi Rogue, do jogo Ragnarok online. “Gostei de me fantasiar de Erza, de Fairy Tail, por sua imponência estética. Também gostei de Nami, de One Piece, e Madoka de Mahou Shoujo Madoka Magica, por serem um dos meus animes favoritos”. E completa: “Cosplay é você se sentir, por um dia, parte do universo fantástico. Um cosplayer eficiente deve, acima de tudo, ser feliz com o que faz”. Fabrícia também é sócia proprietária da Loja Sunny, um “ sonho de fã”, que vende artigos nerd e otakus (Galeria Secreta, São Mateus 262).


Eventos são voltados para Otakus e apreciadores não tão fanáticos, como é o caso de Jefferson Calixto, paulista de 25 anos, técnico em tecnologia da informação. “Os mangás me atraem porque eles são muitos desprendidos de explicação, quando se lê, já se subentende que você já conhece um pouco da cultura japonesa. As histórias que curto são assim, como As Guerreiras Mágicas de Rayaerth e Death Note, que adoro. A história deste é muito complexa e pesada.” Ele gosta de ir a estes eventos, para obter novos conhecimentos, além de “ver gente de cosplay de personagens eu não conhecia antes, conhecer gente nova e me divertir com amigos, criar ciclos de leitura de mangás e trocar experiências”.

Jefferson Calixto e seu mangá preferido, Death Note, de Tsugumi Ohba (Acervo Pessoal/Shonen Jump).

Sobre os eventos e a prática cosplayer, é notável, também, um interesse mercadológico envolvido (nenhum dos citados é gratuito, e há merchandising das editoras). Embora não seja esta a intenção porque a cultura cosplay valoriza o faça- você- mesmo, muitos cosplayers compram apetrechos para seus trajes, ainda que sejam apenas alguns acessórios. É por isso que alguns fãs criaram o irônico “cospobre”, uma prática cosplayer bem humorada, em que os cosplays são feitos com materiais do cotidiano. Há quem encare isto como um ato político, ir a um destes grandes eventos de “cospobre” e não participar do desfile oficial, propositalmente. Outros o fazem apenas por diversão.

Cosplayers no Evento Geek POP, em Julho de 2017, em Juiz de Fora. (Aline Negromonte)

Gostando ou não, a cultura pop nipônica está cada vez mais presente no mundo e no Brasil. Com o mercado aquecido e fãs devotados, a tendência é vermos maior variedade de obras disponíveis, como o clássico contemplativo recém-lançado "O homem que passeia", de Jiro Taniguchi, e o também recente "Fragmentos do horror", de Junji Ito. Outra consequência são os "mangás" produzidos no Brasil, (como o consagrado "Holy Avenger", de Marcelo Cassaro e e Erica Awano), e a coletânea "Mangá Tropical", com grandes nomes nacionais.


Comentarios


DICAS DE COZINHA

DA SARA!

#1 

Sou um parágrafo. Clique aqui para editar e adicionar seu texto.

 

#2

Sou um parágrafo. Clique aqui para editar e adicionar seu texto.

 

#3

Sou um parágrafo. Clique aqui para editar e adicionar seu texto.

© 2023 por Sal & Pimenta. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page